Da saga de destralhar
Vou começar por confessar-vos, acho que nunca o disse, que desde menina que sempre fui muito desarrumada e desorganizada. A idade e a maturidade começaram a dar frutos, relativamente a isso e, desde os meus 15/16 anos, comecei a ganhar mais gosto, a ser mais arrumadinha e a gostar de ver as coisas mais organizadas, principalmente o meu quarto. Ainda assim, durante anos sempre acumulei muita, muita coisa, que já contei por aqui. Não me perguntem com que finalidade, porque nunca vou saber responder a isso. Desde papéis, a tralha mesmo, como caixinhas, fios, panfletos não-sei-de-quê, recadinhos da não-sei-das-quantas. Tenho a dizer-vos que o meu quarto era um sem fim de coisas sem utilidade nenhuma, que só estavam a ocupar espaço, porque já nem recordações eram.
Nunca pensei ser capaz de tal, não mesmo, mas comecei a ficar com o quarto completamente entupido, e tinha sempre a minha mãe a dizer-me “Olha que tens um quarto enorme, não te queixes que tens um quarto pequeno, começa a deitar ao lixo metade do que tens para lá e vais ver que tens muito espaço!”. Durante anos, ela dizia-me isto e nem sempre têm razão naquilo que nos dizem. Sempre me senti uma pessoa muito apegada às coisas, que gostava de ficar com o bilhete da primeira ida ao cinema, ou ao teatro, ou a um concerto, ou aquela camisola que vesti não sei quando e me fazia lembrar alguém. Esta era eu, tal e qual. Mas, cheguei a uma determinada fase, mais quando comecei o mestrado, que queria organizar as coisas do mestrado e não tinha espaço. A verdade é que me faltava uma ou duas estantes, porque a minha, apesar de grande, já não dava para tanta coisa. Aliado a esta necessidade de organizar, não propriamente de destralhar, entrei numa fase em que sinto que pode faltar cada vez menos para sair de casa, juntar-me com o L. talvez. E quando penso que tenho de levar tudo o que é meu, ou o que me é essencial, pelo menos, assusta-me, ou assustou-me na altura, já não me sinto tão aflita agora, porque sinto que tomei o caminho certo. Quando surgiu a oportunidade de adquirir uma estante, ou qualquer outro móvel que me facilitasse a organização, pensei nisso também, que era um investimento a longo prazo, possivelmente será uma das coisas que vou levar quando sair de casa e que já não vamos precisar comprar e é algo que é meu. O meu quarto não tinha muito espaço para nada muito grande, porque apesar de espaçoso, não está muito bem desenhado, e por isso nunca comprei nada antes, mas pensei “Posso arranjar um espacinho durante alguns tempos, porque mais cedo ou mais tarde quero sair de casa, quando tudo se alinhar nesse sentido.”
Esse foi o primeiro dos passos, comprei as ditas estantes, acabei por comprar duas porque estavam a um preço interessante, mas acabaram por estar vazias durante uns largos meses, ou porque não tinha tempo para começar a arrumar, ou porque estava cansada e queria era esticar-me na cama, um sem fim de desculpas. Quando comecei a ter mais uns tempinhos livres, lá tomei a decisão. E todo este processo de destralhar e deitar muita coisa ao lixo (outra doei) começou por aqui, quando comecei a tirar as caixas e caixas que tinha nos armários, e comecei a ver papel a papel, folha a folha. O que começou numa simples arrumação das minhas tralhas da faculdade, alastrou-se a toda a minha vida. Quando me apercebi da quantidade de lixo que tinha acumulado, dentro do meu próprio quarto, entendi que tinha de mudar. Não só o que tinha no quarto, porque mudar apenas o meu canto não ia adiantar de nada, mas tinha de ser eu a mudar primeiro, a minha maneira de ser, estar e pensar. Sou-vos mesmo sincera e pode parecer exagerado, mas custou-me imenso perceber isso, senti-me um bocadinho perdida dentro do meu próprio mundo. Mas comecei a ler algumas coisas, a procurar informação sobre o assunto e percebi que devagar devagarinho ia conseguir chegar lá, que não podia ser tudo de uma vez porque não ia conseguir e que tinha de começar pelo físico, para depois aperfeiçoar o interior. E foi uma limpeza interior e espiritual maravilhosa livrar-me de mais de metade das coisas que tinha guardadas. Grande parte das vezes recordações só nos trazem energia negativa e pessimismo, e guardar o passado não é uma boa ideia.
Como já contei por aqui comecei pelos meus papéis, e digo papéis porque eram coisas da faculdade, do secundário, do ensino básico, livros, capas. Essa foi a minha primeira e grande mudança. E demorou muito mais do que aquilo que pensava, e ainda não acabou. Depois de ver isso minimamente aceitável comecei pela roupa e aproveitei a altura em que o fiz, mais ao menos na entrada da Primavera e pensei “Bem, vou aproveitar e trocar já umas coisas pelas outras, assim obrigo-me a rever tudo o que tenho, o que quero e o que não quero”. Fiz sacos e sacos de roupa para dar, outras coisas pus mesmo ao lixo porque senti-me incapaz de dar aquilo a alguém. Outras coisas aproveitei para reciclar e reaproveitar, porque gosto imenso de coisas feitas à mão e de perder tempo com essas coisinhas.
Depois de ter conseguido destralhar e arrumar quase tudo, veio a pior fase desta mudança, não voltar a acumular. Os primeiros meses foram fáceis porque andava muito por casa e conseguia manter tudo organizado. Quando começou o verão ficou tudo virado ao contrário e custou-me horrores ver aquilo, mas não consegui controlar. Consegui não acumular quase nada, sinto-me muito orgulhosa com isso, significa que a mudança interior foi positiva, mas a nível de arrumação é melhor nem falarmos sobre isso. Mal comecei a ter uns tempinhos livres meti mãos à obra e foi, sobretudo, quando voltei de férias que comecei novamente a limpar e a arrumar tudo.
Nesta segunda fase de arrumações apercebi-me que é importante não arrumar só uma vez, mas irmos arrumando sempre, ou seja não fazer só um destralhe, mas fazer vários. A primeira vez custa, a segunda já não custa tanto e por aí fora. Há sempre uma coisa que olhamos para ela uma terceira vez e não faz sentido tê-la ou estar ali. E chamo a isso destralhar.
Os meus próximos objetivos neste campo passam por deixar sempre o meu quarto limpo, arrumado ele costuma ficar, mas sou um bocadinho preguiçosa para aspirar e limpar pó. Quero ainda arranjar lugar para tudo, sempre gostei muito da ideia de ter as coisas arrumadas em caixas ou cestos, e gosto muito da ideia de etiquetar cada coisa, ou seja, dar nomes às coisas, como “caixa das camisolas de inverno” e “caixa dos lenços e cachecóis”. Facilita imenso a minha organização.
Esta mudança foi uma das mais difíceis que decidi fazer este ano, foi difícil, mas foi inspirador e trouxe-me a tranquilidade que tanto esperava.
Agora é continuar, é sempre o objetivo.
(esta imagem não é minha, encontrei-a algures no pinterest)