Tentativa de uma relação saudável
Quando comecei a namorar com o L., já o disse aqui várias vezes, ele trabalhava e trabalha à noite. Eu sabia de antemão que não teríamos a vida facilitada em relação a horários e tempo, nem que seríamos um casal comum que ao domingo fica na ronha, e que ao sábado à noite vamos ao cinema ou vamos a um concerto, ou vamos jantar fora porque é uma ocasião especial e porque nos apetece, que vamos passar o fim de semana fora, ou que simplesmente vamos passar ao sábado à tarde. Até nem somos de ir comer fora muitas vezes, mas é um modo de falar. Ainda assim, apaixonei-me, sabendo destas condições e apaixonava-me hoje outra vez, aliás apaixono-me todos os dias pela pessoa que ele é comigo e com os outros.
Nada mudou, neste sentido, desde essa altura, e já lá vão quase 4 anos e cá estamos. E, tão cedo, a curto prazo, sabemos que nada vai mudar, porque as nossas vidas não o permitem. E é mesmo muito raro estarmos juntos mais que 10/15 minutos, muitas vezes só nos falamos por telefone e, muito esporadicamente, por mensagens. O telemóvel connosco é para esquecer, somos muito desligados do telemóvel, e nunca fomos de estar a mandar mensagens constantemente. Inicialmente, os nossos horários permitiam que estivéssemos juntos na folga semanal dele, porque nos meus últimos anos de estudante, só tinha aulas à noite. Ainda assim, nesse dia, nunca conseguíamos jantar juntos, nem em casa, nem na minha, nem sozinhos.
O pouco tempo que passamos juntos nunca nos incomodou, até me incomoda mais a mim do que a ele, porque de vez sinto falta da presença dele nos meus dias, e apesar de saber que ele está sempre lá para mim, nem sempre está fisicamente, ou nem sempre consigo falar com ele à primeira tentativa de chamada. Quem nos conhece e convive diariamente connosco já sabe como a coisa funciona, quem não nos conhece fica muito admirado e chocado como é que nos damos tão bem e quase nunca nos vemos.
Desde o inicio, aprendemos a respeitar o espaço um do outro e a respeitar-nos mutuamente, e a confiar um no outro. Há uns espertinhos que, às vezes, testam a minha paciência e que se tentam intrometer naquilo que não lhes diz respeito e brincam “Ah! Vais deixá-lo ir jantar connosco e não vens? Tens a certeza?”. A resposta depois não é muito simpática, já cheguei mesmo a perder a paciência com alguns, porque o que ele faz e o que eu faço só a nós nos diz respeito. Se ele vai sozinho ou se eu vou sozinha, o problema é nosso e de mais ninguém.
E a confiança vem mesmo daí, daquilo que conseguimos construir quando estamos juntos, porque não é por não conseguimos ter muito tempo juntos, ou por não sermos o típico casal, que gostamos mais ou menos um do outro, bem pelo contrário. O tempo que passamos juntos não define em nada aquilo que somos, ou como nos damos e tratamos.
E a opinião dos outros passa-nos completamente ao lado, passa-nos tanto ao lado que os chega a incomodar. Estranharam ir a Barcelona sozinha, ir ao Marés Vivas sozinha, estranham quando digo que fui ao cinema sozinha porque me apeteceu. E? Nunca deixei de fazer o que gosto por estar sozinha, e não deixei de gostar de mim por estar sozinha. É uma das coisas que acho que grande parte das pessoas se esquece quando começa ou quando mantém uma relação: o amor próprio é para manter. O amor próprio não é só para se falar quando estamos sozinhas e solteiras. E isso não nos faz gostar nem mais nem menos da pessoa que temos connosco, muito pelo contrário, ensina-nos, sim, a respeitarmo-nos mutuamente e gostarmos de nós. Claro que isto só a minha opinião e o que funciona comigo pode não funcionar com mais ninguém. Mas, quando comecei a namorar com o L. e sabia de todas estas condições, que tínhamos horários completamente incompatíveis, e que não teríamos feriados e fins-de-semanas, sabia que não deixaria de fazer as minhas coisas, porque estava sem ele, ou porque ele não podia.
Claro que, dou sempre preferência a fazer ou a ir com ele, mas não vou deixar de ir ou fazer porque ele não pode, ou porque está a trabalhar. Nesta fase, raramente nos encontramos. Eu tenho um horário normal das 9h às 18h, e não vou para o estágio todos os dias, e ele continua a trabalhar à noite, entra às 17h e sai à 00h, todos os dias, com exceção de quarta-feira que é a folga semanal, e esse dia é sempre um dos dias que vou para o estágio, e que saio tardíssimo, e que me é impossível pedir para sair mais cedo. Ou seja, encontramo-nos ao final do dia, e a meio da semana pouco ou nada temos para fazer. Nunca fazemos nada aliás, porque acordo cedíssimo no dia seguinte.
Se esta incompatibilidade me incomoda? Não vou dizer que não, porque há fases que me incomoda sim, e que me chateio por fazer tudo sozinha. Se adianta de alguma coisa? Não, não adianta. Então, se não adianta, não me adianta de nada perder tempo chateada, faz mal ao coração e ao sistema nervoso, e faz-nos mal a nós, porque estamos a discutir sem sentido e estamos a perder tempo juntos. Quando me acalmo, o que é na grande parte dos dias e das horas, como enquanto escrevo este texto, tenho um orgulho desmedido em nós, porque confiarmos e nos respeitarmos, por raramente nos chatearmos e por termos uma cumplicidade que transparece todo o amor que temos um pelo outro. Isso deve chatear algumas pessoas, mas é o que menos nos importa.